De: | Pedro Porfírio |
Para: | Edson Paim |
Data: | 28/10/07 19:48 |
Assunto: | UMA ANISTIA DE VERDADE PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO |
UMA ANISTIA DE VERDADE PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 29 DE OUTUBRO DE 2007
http://www.tribunadaimprensa.com.br/porfirio.asp
http://pedroporfirio.blogspot.com/
Fotos do site da ABI. Rui Moreira Lima recebe Paulo Abraão. Ao lado o auditóriio lotado por perseguidos da ditadura.
|
"Sê um patriota verdadeiro e não te esqueças de que a força somente deve ser empregada a serviço do Direito. O povo desarmado merece o respeito das Forças Armadas". Desembargador Bento Moreira Lima, em carta ao seu filho, cadete Rui Moreira Lima, em 31 de março de 1939 |
Maranhense, filho de um desembargador humanista, festejou 64 anos de casamento com dona Júlia no dia 26 de outubro passado. Nesse dia, depois de sucessivos temporais, o sol se fez. Foi quando, aos 88 anos, numa tarde inesquecível, recebeu no emblemático auditório da ABI o jovem mestre em direito público Paulo Abraão Pires Junior, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, acompanhado do também mestre em direito Sérgio Ribeiro Muylaert, seu vice. Com o brigadeiro, mais de mil brasileiros, alvos do arbítrio de um regime que fazia vítimas pela volúpia da perseguição "preventiva".
Como se tivesse travando um novo combate, agora em terra, e apenas com as armas da razão, o nosso paradigma de patriotismo e dignidade colocava frente à frente aquele que melhor entendeu sua missão reparadora, apesar de calouro no cargo, e uma parcela de nossa história humana, em sua quase totalidade militares que tiveram suas carreiras ceifadas por atos de arbítrio naqueles anos sombrios de tormentas e luto.
Lá estávamos, para testemunhar os depoimentos, o presidente da ABI, Maurício Azedo, a deputada Laura Carneiro, eu e os representantes do senador Marcello Crivela e da deputada Solange Almeida. Na singeleza de sua exposição, o brigadeiro Rui Moreira Lima explicou que convidou o presidente da Comissão de Anistia por uma questão de economia: a grande maioria daqueles que tiveram suas carreiras interrompidas não podiam ir a Brasília saber a quantas andam seus processos de reparação.
O presidente Paulo Abraão respondeu, informando que realizará outras audiências públicas fora da capital. Estará novamente no Rio dia 5 de novembro, numa audiência na Câmara Municipal, por minha iniciativa. Nesse novo encontro, além de dar continuidade às questões dos militares perseguidos, ouvirá depoimentos dos segmentos da sociedade civil, também duramente atingidos com as prisões, demissões, exclusões, exílio, banimento e toda sorte de violência praticada por um regime que alçou ao poder de forma ilegítima, derrubando um governo eleito e consagrado num plebiscito, e rasgando o mais sagrado dos documentos de um país, a sua Constituição.
A Lei violada
No princípio era a Lei. Aos trancos de barrancos, depois de resistir bravamente à conspiração que levou ao suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954; à tentativa de golpe para impedir a posse de Juscelino, em 1955; a duas sedições militares no governo JK (os rebelados foram anistiados e voltaram seus postos), e ao golpe que queria impedir a posse do presidente João Goulart, em 1961, supunha-se que a Constituição de 1946 estava blindada contra novos assaltos castrenses.
O Brasil daqueles dias registrava os melhores índices de desenvolvimento econômico, o mais elevado salário mínimo, a menor taxa de desemprego, os mais luminosos sinais de progresso, com reflexos numa política de educação de grande alcance, na qualidade dos serviços públicos de saúde e até nos primeiros sucessos esportivos com duas copas mundiais de futebol. Então, discutíamos as verdadeiras reformas de base, começando por medidas concretas no campo, sempre dentro da legalidade, da mais ampla liberdade de imprensa e do convívio entre forças políticas opostas. O povo resgatava sua auto-estima.
Para a grande potência do norte, isso era uma ameaça muito maior do que a revolução cubana. Para onde o Brasil fosse, a América Latina iria. A questão deixou de ser interna, para entrar na agenda dos Estados Unidos e suas agências de espionagem e jogo sujo. As próprias tropas, tradicionalmente legalistas, foram tomadas de surpresa por uma conspiração de Estado Maior, monitorada pela embaixada dos EUA, que culminou com um golpe fulminante: em menos de 48 horas, quatro estrelas de todas as armas assumiram o controle das instituições, levando o presidente ao exílio num ato de tal violência que levou o próprio deposto a abrir mão da resistência com que Leonel Brizola pretendia repetir a mesma epopéia de 1961.
Aconteceu o que Luiz Carlos Moreira, capitão de mar e guerra, e hoje advogado brilhante, definiu no ato da ABI como cristalização da ilegalidade e da ruptura do regime de direito. A partir de 1 de abril de 1964 o dia da mentira estendeu-se por vinte anos. Tudo se resolvia com o uso das ferramentas de uma ditadura sem acanhamento. Desde aquele então, milhares de brasileiros passaram a percorrer verdadeiros calvários. Muitos morreram sob tortura e em operações de extermínio, como está documentado no livro "Direito à Memória e à Verdade", publicado com coragem e serenidade pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Como não poderia deixar de ser, a ditadura nos legou um lixo autoritário manchado de sangue, terror e lágrimas. O restabelecimento do regime de direito ainda é uma conquista tênue, constrangida por sua trágica ambigüidade. Num erro fatal, as novas gerações de oficiais, profissionais por excelência, que não têm nada a ver com o inferno daqueles anos cruéis, parecem agir corporativamente como salvaguarda da impunidade.
Aqueles que mancharam as sagradas fardas de nossas Forças Armadas na prática da tortura e de assassinatos indefensáveis ganharam a anistia, recebendo tudo o que "tinham direito" e desfrutando de todas as regalias. Já os perseguidos, atingidos por todo tipo de arbítrio, até vitimados por portarias políticas só porque pareciam vocacionados para atos de liderança, esses ainda esperam pela reparação devida.
Agora, 43 anos depois da instauração do regime ditatorial, responder em tempo hábil aos clamores dos perseguidos é o grande desafio da Comissão de Anistia, cujos conselheiros trabalham como voluntários, sem nenhuma remuneração, fato que, a meu ver, já demonstra o desdém do Estado em relação a uma missão que é a primeira condição para selar o regime de direito e consolidar instituições perenes.
MEUS COMENTÁRIOS ESTÃO EM
PALANQUE LIVRE
www.palanquelivre.com
PORFIRIO LIVRE
http://pedroporfirio.blogspot.com
COLUNA DO PORFIRIO NO POVO
http://colunaporfirio.blogspot.com
PORFÍRIO URGENTE
http://porfiriourgente.blogspot.com
De: | Pedro Porfírio |
Para: | Edson Paim |
Data: | 01/11/07 22:13 |
Assunto: | UMA ANISTIA DE VERDADE PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO (II) |
UMA ANISTIA DE VERDADE PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO (II)
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 2 DE NOVEMBRO DE 2007
http://www.tribunadaimprensa.com.br/porfirio.asp
http://pedroporfirio.blogspot.com/
|
"A anistia não é nem uma apologia nem uma transação. A anistia é o olvido, é a paz"
|
Não tenho a menor dúvida: por mais que o processo de anistia, no seu sentido lato, seja condição essencial do restabelecimento do estado de direito, a sua plena execução é o maior desafio de nossos dias. Sob os mais variados pretextos, as resistências ao reconhecimento devido às vítimas dos anos de exceção, casuísmos arbitrários e perseguições infernais ainda permanecem instaladas em trincheiras invisíveis e podem tornar o exercício da reparação um ato de heroísmo dos encarregados institucionais dessa missão.
Digo isso não apenas em função de uma meia dúzia de e-mails que recebi com as tinturas da intolerância mais doentia. Os fatos têm mostrado que todos os esforços para abreviar o sofrimento de pessoas atingidas brutalmente em suas vidas vão encontrar óbices onde os órfãos da ditadura puderem influir. Esses recalcitrantes sobrevivem como fiéis depositários da violência de Estado e operam com desembaraço, sobretudo porque, afinal de contas, nenhum verdugo ou usurpador dos anos de chumbo foi sequer questionado.
Isto, ao contrário do que aconteceu em outros países como o Chile, onde o general Pinochet, sua família e alguns de sua entourage foram parar na prisão como ladrões do erário e assassinos hediondos; e da vizinha Argentina, onde em 1985 foram condenados à prisão perpétua como homicidas e ladrões o general Jorge Rafael Videla e o almirante Emílio Massera (http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_18121985.shtml).
No Brasil, no entanto, todos os algozes foram para casa com o compromisso da impunidade e a certeza de que continuariam dando as cartas naquilo que lhes interessava. Não foi por acaso que o sr. José Sarney, principal preposto civil da ditadura, "mudou de lado" e se declara hoje um defensor intransigente da democracia, com acesso à copa e a cozinha dos palácios do poder.
Bolsões da intolerância
Por isso, não me surpreendeu a correspondência de um advogado de Mato Grosso do Sul, que escreveu textualmente:
"Era imperioso que fossem perseguidos, derrotados e, SE NECESSÁRIO, MORTOS. Nesse aspecto, o tratamento que a eles, inimigos da pátria, era dispensado, nada tinha de anormal.
Registre-se, por pertinente, que a malfadada Comissão de Anistia do Ministério chefiado por TARSO BERIA, está atulhada de elementos adoradores do comunismo e que sequer sabem exatamente o seu significado. São uns párias que, assim como aqueles toupeiras de 1964, VÃO OBRIGAR OS NOSSOS HONRADOS MILITARES A, UMA VEZ MAIS, ASSENHOREAR-SE DO PODER".
Como disse na coluna anterior, é preciso que a sociedade saiba toda a verdade sobre a natureza do trabalho da Comissão de Anistia, como instrumento centralizador dos processos de reparação. É preciso que saiba que, se não fosse pela oportuna reflexão do presidente Paulo Abrão Pires Junior, um jovem mestre do direito público (escolhido até por não ter vivido as torpezas daqueles anos, o que o imuniza de qualquer ato emocional), os processos que ainda dependem de julgamentos levariam no mínimo 15 anos em suas prateleiras.
Embora o Ministério da Justiça tenha ampliado sua equipe técnica, incluindo jovens advogados, me parece fora de propósito que seus conselheiros sejam "voluntários", quando qualquer conselho de qualquer órgão público ou estatal paga muito bem a quem não tem um décimo de sua responsabilidade, até porque não lida com expectativas humanas, algumas acumuladas por mais de quatro décadas.
Por conta das resistências cegas de quem tem assento em áreas do poder, sobrevive ainda uma certa doutrina restritiva em relação, sobretudo, aos militares vitimados pela intolerância. O que seria a melhor das leis - a 10.559 - por sua abrangência, acabou configurando uma situação desconfortável para os militares que tiveram seus direitos reconhecidos. Ao ser editada ainda como Medida Provisória, essa Lei contrariou em alguns aspectos os fundamentos da Constituição de 1988, que diz expressamente em seu artigo 8º das Disposições Transitórias:
"É concedida anistia aos que, no período de l8 de setembro de l946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864 de 12/09/1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis, regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos".
Fazer Justiça já
Esses mesmos bolsões de resistência procuram por todos os meios impedir as reparações aos militares subalternos, especialmente os cabos da Aeronáutica, onde o sistema de "licenciamento" foi modificado por uma Portaria que à primeira vista não tinha nenhuma conotação política. Mas que funcionou como uma permanente ferramenta de depuração, como demonstrou o antigo conselheiro Ulisses Riedel, cujo parecer serviu de base para a concessão de anistias, indevidamente anuladas depois.
O momento hoje exige uma verdadeira retomada do movimento pela anistia de verdade, que precedeu a retomada do Estado de direito e balizou as várias leis que serviram para reinserir o Brasil no mundo civilizado.
Neste sentido, considero de fundamental importância a presença maciça dos democratas na audiência pública que o presidente da Comissão de Anistia fará no plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, nesta segunda-feira, dia 5, às 14 horas.
Só com a atuação dos cidadãos, a Comissão da Paz poderá superar seus próprios desafios, sobretudo em matéria de tempo. Os que ainda dependem do pronunciamento daquele plenário estão com as cabeças brancas e já sofreram mais da conta. É hora de estabelecer uma relação direta, de forma a assegurar que todos os direitos sejam garantidos. Quando digo direitos, nada mais peço. Sem sua observância na questão dos perseguidos políticos, teremos sempre um flanco aberto e um ambiente de ambigüidade cristalizado.
MEUS COMENTÁRIOS ESTÃO EM
PALANQUE LIVRE
www.palanquelivre.com
PORFIRIO LIVRE
http://pedroporfirio.blogspot.com
COLUNA DO PORFIRIO NO POVO
http://colunaporfirio.blogspot.com
PORFÍRIO URGENTE
http://porfiriourgente.blogspot.com
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial