quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Governo deve reintegrar parte dos 16 mil servidores anistiados na gestão Collor

29/11/2007 - 20h00

RENATA GIRALDI
GABRIELA GUERREIRO
da Folha Online, em Brasília

O governo analisa a possibilidade de reintegrar cerca de 16 mil funcionários públicos demitidos --que se enquadram como anistiados-- do governo do ex-presidente Fernando Collor, na década de 90. Mas só serão reintegrados os servidores que se encaixarem em alguns critérios e forem aprovados por comissão interministerial. A previsão dos próprios anistiados é que, inicialmente, 800 funcionários sejam reintegrados.

O advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, afirmou que o objetivo da decisão é restabelecer a justiça aos servidores. "Além da demissão, eles também sofreram uma segunda injustiça, pelo fato dos requerimentos de reintegração estarem há 13 anos sob análise do Poder Executivo."

De acordo com Toffoli, as interpretações da lei devem ser favoráveis aos anistiados. "Para evitar novas consultas à AGU [Advocacia Geral da União] e divergências jurídicas determinamos que, quando houver alguma dúvida sobre o caso concreto, a Lei de Anistia deve ser interpretada favoravelmente ao pedido", disse.

A CEI (Comissão Especial Interministerial) --integrada pela AGU, pelos ministérios do Planejamento, da Fazenda e da Casa Civil e por representantes dos servidores anistiados-- será a responsável pela análise dos processos dos funcionários demitidos entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992.

O consultor-geral da União, Ronaldo Vieira, disse que com essa decisão haverá uma uniformidade na interpretação da Lei da Anistia. "A nossa preocupação foi construir um parecer em que todos os dispositivos da Lei 8.878 fossem abordados e apreciados, como uma lei comentada", afirmou ele.

Reações

Rosa Maria Monteiro de Barros, que representa os anistiados, afirmou que pelo menos 800 servidores serão reintegrados nos próximos meses. Segunda ela, são servidores cujos processos estão prontos e à espera apenas da autorização para que retornem às atividades.

"Estamos trabalhando para que os processos sejam concluídos, em no máximo, 12 meses. Desde o início do primeiro mandato do governo Lula, as negociações começaram", disse Rosa Barros.

De acordo com a representante dos anistiados, há servidores à espera da reintegração que pertencem aos mais diversos órgãos públicos federais. Porém, os primeiros que deverão ser reintegrados integram a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

Para a inclusão na lei dos anistiados, serão seguidos os seguintes critérios: transgressão à legislação, acordos trabalhistas e questões ideológicas e políticas.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u349925.shtml

terça-feira, 6 de novembro de 2007

A DITADURA E O TRATAMENTO DOS MILITARES SUBALTERNOS

De: Pedro Porfírio
Para: Edson Paim
Data: 04/11/07 19:50
Assunto: A DITADURA E O TRATAMENTO DOS MILITARES SUBALTERNOS


MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 5 DE NOVEMBRO DE 2007


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"O golpe militar de 1964 pôs fim a primeira experiência de regime democrático no Brasil"

Renato Cancian, cientista social.

A história militar, em muitos países como o Brasil, é marcada por uma doutrina injusta em relação às classes subalternas de soldados, cabos, sargentos e suboficiais. Até a Constituição de 1988, cabos e soldados das Forças Armadas não podiam votar, casar-se e usufruir de outros direitos civis. Os sargentos podiam votar, mas não podiam ser eleitos.

Durante os anos de chumbo, as punições aos marinheiros e cabos que lutavam pela conquista de direitos elementares foram implacáveis. Convivi com muitos ex-marinheiros expulsos e condenados a cinco anos de prisão somente por terem participado da assembléia de 25 de março de 1964, comandada pelo ex-cabo Anselmo.

Eles faziam parte de um grupo de quase 800 marinheiros e fuzileiros navais, a maioria dos quais sofreu punição mesmo não tendo sido denunciada pelo ministério público da Marinha. Todos, uma vez punidos, converteram-se em mortos-vivos: suas esposas eram tratadas pela Marinha como se fossem viúvas.

Perseguição preventiva

Tais punições resultaram da Exposição de motivos n.º 138, de 21 de agosto de 1964, assinada pelo então ministro da Marinha, almirante Ernesto de M. Baptista, na qual dava os indicativos para manter os marinheiros e fuzileiros navais sob controle permanente, impedindo qualquer tentativa de reorganização de sua associação.

Independente da questão da disciplina, as explosões nos escalões inferiores das Forças Armadas não tinham caráter político, mas visavam tão somente o reconhecimento de alguns direitos elementares, aproveitando o ambiente que permitiu as formações de associações de praças e cabos.

Nos idos de pré-64, a oficialidade das Forças Armadas dividia-se em duas correntes quase antagônicas. Os segmentos tradicionais, sob influência da Escola Militar das Américas do Exército norte-americano, mantinham uma postura intransigente na "distinção de direitos" entre oficiais e subalternos. Essa corrente, embora menos influente, sobrevive até nossos dias, apesar das conquistas constitucionais.

Um outro grupo, identificado com as posições nacionalistas e democráticas que emergiram vitoriosas em 1961, na resistência legalista comandada por Leonel Brizola, reconhecia ter chegado a hora de revisar as condições dos subalternos. Havia uma compreensão de que os militares deveriam dar o exemplo na adoção de providências para pôr fim às discriminações insustentáveis num ambiente democrático.

No meu convívio no presídio da Ilha Grande com aqueles marinheiros, pude avaliar o grau de crueldade que revestia o tratamento dispensado a eles. Em sua maioria, eles não exibiam nenhum perfil político. Foram condenados pela simples participação numa assembléia permitida pelas autoridades de então.

Cabos excluídos

Os estudos sobre o pensamento militar deixam claro que o espectro da suspeita em relação aos cabos e soldados sempre influenciou as medidas adotadas no período ditatorial. Em função dos contextos em que foram adotadas, elas tiveram expressa conotação de medidas de exceção. É o caso da Portaria 1104/GM3, que instrumentalizou os comandos da FAB para proceder as depurações daqueles que demonstrassem algum sinal de "comportamento duvidoso".

Essa Portaria, de 12 de outubro de 1964, substituiu a Portaria 570-GM3", de 23 de novembro de 1954,que permitia o engajamento por três anos e reengajamentos sucessivos também de três anos, cada. Não havia no antigo regulamento nenhum artigo que limitasse o número de reengajamentos e, de acordo com a Lei do Serviço Militar de então, cabos com mais de nove anos de serviço teriam estabilidade e poderiam continuar na ativa até completarem a idade limite.

Uma tese de doutorando do sociólogo Cláudio Beserra Vasconcelos identifica com clareza os objetivos políticos da Portaria que permitiu o "licenciamento" de centenas de cabos da Aeronáutica:

"Após o golpe, foi editada, em 12 de outubro de 1964, a "Portaria n.º 1.104-GM3", que alterou os critérios, reduzindo o prazo de engajamento e reengajamento para dois anos, cada, e limitando o número de reengajamentos ao máximo de três, o que resultou no estabelecimento do limite de oito anos de permanência na patente de cabo. Ao fim desse período, se não houvesse conseguido a promoção,através de concurso público, à patente de Sargento, o militar seria obrigado a dar baixa da corporação.

No entanto, embora apresentasse esta possibilidade, a promoção não dependia apenas do mérito individual do militar, ficando sujeita ao critério pessoal do comandante da base.

O que "Portaria n.º 1.104-GM3" também não menciona é que ela foi o resultado de um estudo apresentado em setembro de 1964, através do Ofício n.º 04, do Estado Maior do Ministério da Aeronáutica, que propunha a revisão e atualização da "Portaria 570-GM3".

Apesar de expor como seu objetivo a promoção de melhorias e a elaboração de normas que estimulassem os cabos a promoção

a sargento, em seu tópico IV - "Fatores relacionados com o problema", item n.º 15º (último item desse tópico), afirma que os cabos teriam se organizado em associações em busca do atendimento de suas reivindicações, e, em conseqüência, acabaram a mercê da exploração de demagogos e agitadores que só pretendiam "cavar dissensões nas Forças Armadas", objetivando tomar o "Poder". Portanto, em última análise, o que se pretendia com essas novas normas, era impedir o ressurgimento de movimentos reivindicatórios.

Há outro indicativo da preocupação com estes movimentos no "Boletim Reservado" n.º 21, da Diretoria de Pessoal do Ministério da Aeronáutica, datado de 11 de maio de 1965. Nesse Boletim foi publicado o relatório final do IPM que apurou as atividades da Associação dos Cabos da Força Aérea Brasileira (ACAFAB). Entre as resoluções está a de que a ACAFAB deveria ser extinta, juntamente com a expulsão de seis e a prisão de dois cabos. Além disso, em função de não ter conseguido provas que incriminassem centenas de outros, sugeriu atenção na conduta destes e, também, que, "terão que ser, quando em engajamento ou reengajamento, objeto de exame cuidadoso, primordialmente no que se relaciona com o comportamento militar e civil."

É importante considerar essas informações até porque o caso dos cabos da FAB passou ao centro das discussões depois que 565 deles foram "desanistiados" pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos.

Agenda da anistia

Hoje, 14 horas, audiência pública na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com a presença do presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Junior.

Dia 7, quarta-feira, às 14 horas, Audiência Pública na Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Federal sobre os ANISTIADOS DO PLANO COLLOR E A LEI 8878/94. A audiência será no plenário 13 das Comissões.

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sexta-feira, 2 de novembro de 2007

De: Pedro Porfírio
Para: Edson Paim
Data: 28/10/07 19:48
Assunto: UMA ANISTIA DE VERDADE PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO


UMA ANISTIA DE VERDADE PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 29 DE OUTUBRO DE 2007


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Fotos do site da ABI.

Rui Moreira Lima recebe Paulo Abraão. Ao lado o auditóriio lotado por perseguidos da ditadura.

"Sê um patriota verdadeiro e não te esqueças de que a força somente deve ser empregada a serviço do Direito. O povo desarmado merece o respeito das Forças Armadas".

Desembargador Bento Moreira Lima, em carta ao seu filho, cadete Rui Moreira Lima, em 31 de março de 1939

O major-brigadeiro Rui Barbosa Moreira Lima é um dos maiores vultos das nossas Forças Armadas. Sua história se confunde com a da FAB, de que foi precursor. Seu batismo de fogo se deu em plena segunda guerra mundial, nos céus da Itália, onde desembarcou no porto de Livorno com outros 465 homens do Grupo de Aviação de Caça da Força Expedicionária Brasileira no dia 6 de outubro de 1944. Lá realizou 96 operações de combate, teve sua primeira promoção e ganhou suas primeiras condecorações: Cruz de Aviação fita A, Campanha da Itália e Presidential Unit Citation (EUA).

Maranhense, filho de um desembargador humanista, festejou 64 anos de casamento com dona Júlia no dia 26 de outubro passado. Nesse dia, depois de sucessivos temporais, o sol se fez. Foi quando, aos 88 anos, numa tarde inesquecível, recebeu no emblemático auditório da ABI o jovem mestre em direito público Paulo Abraão Pires Junior, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, acompanhado do também mestre em direito Sérgio Ribeiro Muylaert, seu vice. Com o brigadeiro, mais de mil brasileiros, alvos do arbítrio de um regime que fazia vítimas pela volúpia da perseguição "preventiva".

Como se tivesse travando um novo combate, agora em terra, e apenas com as armas da razão, o nosso paradigma de patriotismo e dignidade colocava frente à frente aquele que melhor entendeu sua missão reparadora, apesar de calouro no cargo, e uma parcela de nossa história humana, em sua quase totalidade militares que tiveram suas carreiras ceifadas por atos de arbítrio naqueles anos sombrios de tormentas e luto.

Lá estávamos, para testemunhar os depoimentos, o presidente da ABI, Maurício Azedo, a deputada Laura Carneiro, eu e os representantes do senador Marcello Crivela e da deputada Solange Almeida. Na singeleza de sua exposição, o brigadeiro Rui Moreira Lima explicou que convidou o presidente da Comissão de Anistia por uma questão de economia: a grande maioria daqueles que tiveram suas carreiras interrompidas não podiam ir a Brasília saber a quantas andam seus processos de reparação.

O presidente Paulo Abraão respondeu, informando que realizará outras audiências públicas fora da capital. Estará novamente no Rio dia 5 de novembro, numa audiência na Câmara Municipal, por minha iniciativa. Nesse novo encontro, além de dar continuidade às questões dos militares perseguidos, ouvirá depoimentos dos segmentos da sociedade civil, também duramente atingidos com as prisões, demissões, exclusões, exílio, banimento e toda sorte de violência praticada por um regime que alçou ao poder de forma ilegítima, derrubando um governo eleito e consagrado num plebiscito, e rasgando o mais sagrado dos documentos de um país, a sua Constituição.

A Lei violada

No princípio era a Lei. Aos trancos de barrancos, depois de resistir bravamente à conspiração que levou ao suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954; à tentativa de golpe para impedir a posse de Juscelino, em 1955; a duas sedições militares no governo JK (os rebelados foram anistiados e voltaram seus postos), e ao golpe que queria impedir a posse do presidente João Goulart, em 1961, supunha-se que a Constituição de 1946 estava blindada contra novos assaltos castrenses.

O Brasil daqueles dias registrava os melhores índices de desenvolvimento econômico, o mais elevado salário mínimo, a menor taxa de desemprego, os mais luminosos sinais de progresso, com reflexos numa política de educação de grande alcance, na qualidade dos serviços públicos de saúde e até nos primeiros sucessos esportivos com duas copas mundiais de futebol. Então, discutíamos as verdadeiras reformas de base, começando por medidas concretas no campo, sempre dentro da legalidade, da mais ampla liberdade de imprensa e do convívio entre forças políticas opostas. O povo resgatava sua auto-estima.

Para a grande potência do norte, isso era uma ameaça muito maior do que a revolução cubana. Para onde o Brasil fosse, a América Latina iria. A questão deixou de ser interna, para entrar na agenda dos Estados Unidos e suas agências de espionagem e jogo sujo. As próprias tropas, tradicionalmente legalistas, foram tomadas de surpresa por uma conspiração de Estado Maior, monitorada pela embaixada dos EUA, que culminou com um golpe fulminante: em menos de 48 horas, quatro estrelas de todas as armas assumiram o controle das instituições, levando o presidente ao exílio num ato de tal violência que levou o próprio deposto a abrir mão da resistência com que Leonel Brizola pretendia repetir a mesma epopéia de 1961.

Aconteceu o que Luiz Carlos Moreira, capitão de mar e guerra, e hoje advogado brilhante, definiu no ato da ABI como cristalização da ilegalidade e da ruptura do regime de direito. A partir de 1 de abril de 1964 o dia da mentira estendeu-se por vinte anos. Tudo se resolvia com o uso das ferramentas de uma ditadura sem acanhamento. Desde aquele então, milhares de brasileiros passaram a percorrer verdadeiros calvários. Muitos morreram sob tortura e em operações de extermínio, como está documentado no livro "Direito à Memória e à Verdade", publicado com coragem e serenidade pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

Como não poderia deixar de ser, a ditadura nos legou um lixo autoritário manchado de sangue, terror e lágrimas. O restabelecimento do regime de direito ainda é uma conquista tênue, constrangida por sua trágica ambigüidade. Num erro fatal, as novas gerações de oficiais, profissionais por excelência, que não têm nada a ver com o inferno daqueles anos cruéis, parecem agir corporativamente como salvaguarda da impunidade.

Aqueles que mancharam as sagradas fardas de nossas Forças Armadas na prática da tortura e de assassinatos indefensáveis ganharam a anistia, recebendo tudo o que "tinham direito" e desfrutando de todas as regalias. Já os perseguidos, atingidos por todo tipo de arbítrio, até vitimados por portarias políticas só porque pareciam vocacionados para atos de liderança, esses ainda esperam pela reparação devida.

Agora, 43 anos depois da instauração do regime ditatorial, responder em tempo hábil aos clamores dos perseguidos é o grande desafio da Comissão de Anistia, cujos conselheiros trabalham como voluntários, sem nenhuma remuneração, fato que, a meu ver, já demonstra o desdém do Estado em relação a uma missão que é a primeira condição para selar o regime de direito e consolidar instituições perenes.

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De: Pedro Porfírio
Para: Edson Paim
Data: 01/11/07 22:13
Assunto: UMA ANISTIA DE VERDADE PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO (II)


UMA ANISTIA DE VERDADE PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO (II)

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 2 DE NOVEMBRO DE 2007


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"A anistia não é nem uma apologia nem uma transação. A anistia é o olvido, é a paz"


Rui Barbosa, Discurso no Senado, 5 de agosto de 1905

Não tenho a menor dúvida: por mais que o processo de anistia, no seu sentido lato, seja condição essencial do restabelecimento do estado de direito, a sua plena execução é o maior desafio de nossos dias. Sob os mais variados pretextos, as resistências ao reconhecimento devido às vítimas dos anos de exceção, casuísmos arbitrários e perseguições infernais ainda permanecem instaladas em trincheiras invisíveis e podem tornar o exercício da reparação um ato de heroísmo dos encarregados institucionais dessa missão.

Digo isso não apenas em função de uma meia dúzia de e-mails que recebi com as tinturas da intolerância mais doentia. Os fatos têm mostrado que todos os esforços para abreviar o sofrimento de pessoas atingidas brutalmente em suas vidas vão encontrar óbices onde os órfãos da ditadura puderem influir. Esses recalcitrantes sobrevivem como fiéis depositários da violência de Estado e operam com desembaraço, sobretudo porque, afinal de contas, nenhum verdugo ou usurpador dos anos de chumbo foi sequer questionado.

Isto, ao contrário do que aconteceu em outros países como o Chile, onde o general Pinochet, sua família e alguns de sua entourage foram parar na prisão como ladrões do erário e assassinos hediondos; e da vizinha Argentina, onde em 1985 foram condenados à prisão perpétua como homicidas e ladrões o general Jorge Rafael Videla e o almirante Emílio Massera (http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_18121985.shtml).

No Brasil, no entanto, todos os algozes foram para casa com o compromisso da impunidade e a certeza de que continuariam dando as cartas naquilo que lhes interessava. Não foi por acaso que o sr. José Sarney, principal preposto civil da ditadura, "mudou de lado" e se declara hoje um defensor intransigente da democracia, com acesso à copa e a cozinha dos palácios do poder.

Bolsões da intolerância

Por isso, não me surpreendeu a correspondência de um advogado de Mato Grosso do Sul, que escreveu textualmente:

"Era imperioso que fossem perseguidos, derrotados e, SE NECESSÁRIO, MORTOS. Nesse aspecto, o tratamento que a eles, inimigos da pátria, era dispensado, nada tinha de anormal.
Registre-se, por pertinente, que a malfadada Comissão de Anistia do Ministério chefiado por TARSO BERIA, está atulhada de elementos adoradores do comunismo e que sequer sabem exatamente o seu significado. São uns párias que, assim como aqueles toupeiras de 1964, VÃO OBRIGAR OS NOSSOS HONRADOS MILITARES A, UMA VEZ MAIS, ASSENHOREAR-SE DO PODER".

Como disse na coluna anterior, é preciso que a sociedade saiba toda a verdade sobre a natureza do trabalho da Comissão de Anistia, como instrumento centralizador dos processos de reparação. É preciso que saiba que, se não fosse pela oportuna reflexão do presidente Paulo Abrão Pires Junior, um jovem mestre do direito público (escolhido até por não ter vivido as torpezas daqueles anos, o que o imuniza de qualquer ato emocional), os processos que ainda dependem de julgamentos levariam no mínimo 15 anos em suas prateleiras.

Embora o Ministério da Justiça tenha ampliado sua equipe técnica, incluindo jovens advogados, me parece fora de propósito que seus conselheiros sejam "voluntários", quando qualquer conselho de qualquer órgão público ou estatal paga muito bem a quem não tem um décimo de sua responsabilidade, até porque não lida com expectativas humanas, algumas acumuladas por mais de quatro décadas.

Por conta das resistências cegas de quem tem assento em áreas do poder, sobrevive ainda uma certa doutrina restritiva em relação, sobretudo, aos militares vitimados pela intolerância. O que seria a melhor das leis - a 10.559 - por sua abrangência, acabou configurando uma situação desconfortável para os militares que tiveram seus direitos reconhecidos. Ao ser editada ainda como Medida Provisória, essa Lei contrariou em alguns aspectos os fundamentos da Constituição de 1988, que diz expressamente em seu artigo 8º das Disposições Transitórias:

"É concedida anistia aos que, no período de l8 de setembro de l946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864 de 12/09/1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis, regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos".

Fazer Justiça já

Esses mesmos bolsões de resistência procuram por todos os meios impedir as reparações aos militares subalternos, especialmente os cabos da Aeronáutica, onde o sistema de "licenciamento" foi modificado por uma Portaria que à primeira vista não tinha nenhuma conotação política. Mas que funcionou como uma permanente ferramenta de depuração, como demonstrou o antigo conselheiro Ulisses Riedel, cujo parecer serviu de base para a concessão de anistias, indevidamente anuladas depois.

O momento hoje exige uma verdadeira retomada do movimento pela anistia de verdade, que precedeu a retomada do Estado de direito e balizou as várias leis que serviram para reinserir o Brasil no mundo civilizado.

Neste sentido, considero de fundamental importância a presença maciça dos democratas na audiência pública que o presidente da Comissão de Anistia fará no plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, nesta segunda-feira, dia 5, às 14 horas.

Só com a atuação dos cidadãos, a Comissão da Paz poderá superar seus próprios desafios, sobretudo em matéria de tempo. Os que ainda dependem do pronunciamento daquele plenário estão com as cabeças brancas e já sofreram mais da conta. É hora de estabelecer uma relação direta, de forma a assegurar que todos os direitos sejam garantidos. Quando digo direitos, nada mais peço. Sem sua observância na questão dos perseguidos políticos, teremos sempre um flanco aberto e um ambiente de ambigüidade cristalizado.

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